O perigo de ser membro de uma
denominação
Certa vez ouvi de um servo de Deus que a igreja é um
lugar muito perigoso. Pois a vida em comunhão nos expõe, nos desafia nos
convida a conviver com a contradição e a natureza humana de indivíduos que
deveriam substituir essa natureza pela de Cristo.
A cada dia que
passa vejo mais e mais que essa é uma grande verdade. A possibilidade de que
você será ferido, magoado ou humilhado de algum modo por congregar em uma
família de fé é bem plausível, visto que estará convivendo e se abrindo para
pecadores cheios de falhas – embora em busca de santificação.
Na minha visão a
segunda pessoa mais importante numa congregação depois de Jesus é o triste, o
abatido, o deprimido, o humilhado, o abandonado, o desesperado, o indigno, o
ferido que em outras palavras, inconscientemente querem permanecer invisíveis.
O que essa constatação deve gerar em cada um de nós? Como devemos agir com
relação a essas pessoas feridas?
Devemos parar de
ir à igreja porque podemos acabar saindo dela com o coração dilacerado? A
resposta é um grande não, porque embora o mais frequente seja a decepção com os
líderes ou outros membros. Sim, porque paredes e templos não ferem ninguém:
quem fere são pessoas. Pastores que usam de autoridade desmedida e humilham
ovelhas publicamente.
Irmãos que
discriminam pela classe social e pela cor da pele. Pastores que não mantém o
sigilo pastoral sobre pecados a eles confessados. Irmãos que usam de artimanhas
para tomar “cargos” de outros. Pastores que em vez de ajudar a pôr de pé os
caídos esmagam ainda mais o crânio de quem está no chão.
Irmãos que não
demonstram coração perdoador. Pastores que usam o púlpito para fazer desde
propaganda política a publicidade de revistas e DVDs. Irmãos que ignoram quem
não conhecem e compartimentalizam a igreja em panelas.
Pastores que agem
em causa própria e deixam vidas humanas à própria sorte. Irmãos que não
estendem a mão quando mais se precisa de ajuda. Pastores que prometem o que
Deus não promete. Irmãos que discriminam da “falta de fé” à forma de se vestir
de outros e os consideram cristãos de segunda classe.
Em comum a todos os casos, o que ficou visível foi uma deficiência no
amor ao próximo e a prevalência do interesse próprio.
E essas são só as causas mais frequentes que detectei
entre os feridos na igreja. Há mais. A quantidade e a variedade de formas pelas
quais é possível ferir alguém por estar inserido no ambiente de uma família de
fé são muitas, algumas surpreendentes. E isso é um chamado à responsabilidade
para todos nós.
Os desmandos
cometidos por lideranças eclesiásticas, esses problemas se multiplicam tanto
que se tornaram visíveis para cada vez mais pessoas – cristãs ou não.
No que tange à liderança, nunca podemos nos esquecer de
que há muitos líderes que sabem cuidar de ovelhas, que as põem acima de si
mesmos e que entendem que a vocação pela qual Deus os chamou é sobre Jesus e
sobre o próximo e não sobre si e que não deixam a vaidade, a prepotência ou os
projetos pessoais interferirem no cuidado e no amor pelos irmãos.
São muitos e estão
por aí, em igrejas de diferentes denominações, em diversas regiões do país, em
bairros ricos e pobres. O ministério pastoral não entrou em colapso devido ao
fato de que há os que pastoreiam com compaixão e graça, com amor e carinho, com
cuidado e zelo. Há sim os que usam o púlpito como emprego estável ou os que não
entendem a profundidade do amor de Deus e por isso não o refletem em seu
pastoreio, mas as maçãs podres ou contaminadas devem servir acima de tudo para
nos lembrar de que há maçãs maduras e que alimentam.
E ainda há muitos
homens de Deus à frente de igrejas, é só ter paciência de procurar e pedir
discernimento ao Senhor. Recusar ser bem pastoreado é recusar um maravilhoso
presente que Deus nos dá.
Já no que tange aos membros, é preciso lembrarmos sempre
do velho clichê (que é verdadeiro) de que a igreja não é um museu de santos,
mas um hospital de pecadores. Todos, absolutamente todos os membros de uma
igreja, são pecadores. Ninguém escapa. Pode ter certeza que o mais santo de
todos tem no mínimo pensamentos horripilantes.
Agostinho teve John
Wesley teve Davi teve Salomão teve Paulo teve Pedro teve, eu então nem se fala.
Só que isso, em vez de nos afastar da igreja, deve produzir em nós um
sentimento de misericórdia, por saber que o próximo é tão pecador como nós e é
tão passível de erro como eu e você. Há pessoas responsáveis por atividades
importantes dentro de igrejas que cometem pecados cabeludos e, em vez de fugir
delas, precisamos orar por elas para que sejam libertas, que alcancem o perdão
e para que seus pecados não interfiram na missão que Deus lhes confiou.
Sempre digo a quem
está decepcionado com os irmãos que, se vemos alguém que julgamos ser um “mau
cristão”, em vez de empurrá-lo para longe devemos nos aproximar para
influenciá-lo positivamente. Pois é o que se encaixa na graça de Deus. Não o
medo, mas a coragem.
No que tange a nós mesmos, precisamos lembrar que mesmo
sendo a igreja uma assembleia de pessoas imperfeitas e potencialmente passíveis
de nos machucar, é onde cultuamos a Deus em comunhão, é onde celebramos o
memorial coletivo da Ceia do Senhor. É onde ouvimos pregações (sim, muitas
vezes feitas por sacerdotes cheios de falhas) que vão nos edificar, consolar e
exortar. É onde podemos encontrar aqueles que de outro modo não saberíamos que
precisam de uma mão estendida.
É onde os perdidos tocados por Deus vão, em busca de algo
a que a cruz na porta remete em termos espirituais. Já achei baratas no meu
prato, comi alimentos estragados em restaurantes, mas não é por isso que vou
deixar de ir a restaurantes, pois preciso me alimentar. O medo de comer em
outro restaurante não é benéfico, pode me gerar inanição. Assim como o medo de
ir a uma igreja porque nos decepcionaram em outra não provém de Deus.
Se a igreja é um
lugar perigoso, é um lugar para os corajosos um erro não justifica o outro. Você
já se decepcionou com um líder e/ou um irmão da igreja? Eu sim. Só que o que o
outro faz não depende de nós. O que temos poder para mudar é agir a partir de
outra pergunta: você já decepcionou um líder e/ou um irmão da igreja? Eu sim. E
se você, como eu, reconhecer que causou o mal a alguém, mesmo que tenha sido de
modo involuntário, aí está diante de si a grade oportunidade de começar a mudar
o que está ruim: procurando mudar ou pelo menos melhorar a si mesmo.
Pois, no que eu mudo e me torno um cristão melhor, uma
ovelha menos manchada para meu pastor e um irmão menos decepcionante para os
membros da igreja, aí sim estou contribuindo com meu exemplo e minha atitude
pessoal para que o Corpo como um todo seja aperfeiçoado.
Então, se fomos feridos na igreja, devemos começar por
fazer uma análise de nós mesmos e ver em que pontos nós ferimos os outros.
Eliminando esses pontos serviremos cada vez mais de exemplo. Quanto aos que nos
feriu, a dor permanecerá pelo tempo que o luto durar e isso independem de nós.
Quantas vezes podemos perdoar? Setenta vezes sete? Todas.
Sempre. Repetidamente. E não perdoe só da boca para fora, porque isso é fácil
para qualquer um fazer. Perdoe em atitude. Sendo bom para quem te feriu.
Ajudando-o. Estendendo a ele benefícios. Auxiliando no que ele precisar. Orando
a Deus por sua vida. Essas são as maneiras bíblicas de agir com quem nos
machucou. Não importa como o outro se comporta, importa como você se comporta.
Faça sua parte. Pense menos em si e mais em Cristo.
A mudança começa em nós. Menos dedos apontados, mais
lágrimas no travesseiro. E quando você conseguir ser alguém melhor ajude os
demais. A começar estendendo amor de forma prática a quem te fez mal. E aí
haverá festa no Céu, porque você poderá estar sendo instrumento nas mãos de
Deus para levar um pecador a se arrepender. Minha esperança é que para cada
ferido “em nome de Deus” apareça um bom samaritano que venha a cuidar de suas
feridas. E, isso sim, será verdadeiramente feito em nome do perdoador,
misericordioso, amoroso e gracioso Deus.
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