Digo
eu não o Senhor
Em 1 Coríntios 7:12
Paulo escreve algo que não pode passar despercebido: “Aos mais digo eu,
não o Senhor: se algum irmão tem mulher incrédula, e esta consente em morar com
ele, não a abandone”. Às vezes fico pensando o quanto se abre a boca para
dizer: “assim diz o Senhor” quando não passa de um “digo eu, não o Senhor”. A
contribuição do apóstolo Paulo para a igreja é indiscutível. Seus escritos
tornaram-se fundamento doutrinário sobre o qual nos alicerçamos (Efésios 2.20)
e, como ele mesmo escreve: “Toda a Escritura é inspirada por Deus e útil para o
ensino, para a repreensão, para a correção, para a educação na justiça” (2 Timóteo 3:16).
Certamente essa declaração inclui suas cartas. Mas Paulo não se valia da
autoridade apostólica para escrever suas preferências pessoais como se fossem
mandamentos de Deus (1 Coríntios 7.6; 2Coríntios 8.8). Na verdade eu entendo
que até ao escrever a passagem que nos serve de tema neste artigo, Paulo o faz
como um ato de inspiração. Não há problema algum em termos opiniões e até
pontos de vista pessoais acerca de determinados assuntos. O grande problema é
quando deixamos nossos recalques, frustrações e áreas não tratadas pelo Espírito
Santo “vazarem” e se “infiltrarem” na maneira como interpretamos Deus e Sua
Palavra. Muito da forma como vemos e pregamos Deus não passa de pontos de vista
pessoais que consagramos e universalizamos como um padrão inquestionável a ser
aceito pelas pessoas. Se formos duros e intransigentes, acabamos por mostrar um
Deus sempre irado, punitivo, vingativo e reprovativo. Se formos complacentes e
frouxos em nossos padrões morais e éticos, tendemos a falar de um “deus-avô”,
tolerante e bonzinho, uma espécie de “deus-paz-e-amor”. Jesus censurou
fortemente os intérpretes da Lei por ensinarem “doutrinas que são preceitos de
homens” (Mateus 15:9). O Mestre chega a
dizer que muito do que ensinavam era sobrecarga: “Mas ele respondeu: Ai de vós
também, intérpretes da Lei! Porque sobrecarregais os homens com fardos
superiores às suas forças, mas vós mesmos nem com um dedo os tocais” (Lucas
11:46). Jesus ensina que ou abraçamos os
mandamentos de Deus ou nos apegamos às doutrinas humanas: “Negligenciando o
mandamento de Deus, guardais a tradição dos homens. E disse-lhes ainda:
Jeitosamente rejeitais o preceito de Deus para guardardes a vossa própria
tradição” (Marcos 7:8,9). Admiro a franqueza de Paulo ao admitir: “digo eu, não
o Senhor”. Ele não temia que sua autoridade fosse violada. Sabia separar
opiniões pessoais de mandamentos divinos. Uma boa lição para os pregadores de
hoje, não? A igreja cristã deixou-se enganar quando permitiu a ideia de que
tradições humanas se colocassem acima da autoridade das Escrituras. Pior,
deixou-se corromper quando deu a homens a prerrogativa de serem “infalíveis” –
foi o que ocorreu em 1870 quando o papa Pio IX proclamou a doutrina da
infalibilidade papal. Homens corruptos manipularam as Escrituras de acordo com
seus interesses mesquinhos. Deus sempre levou muito a sério o papel do profeta,
pois este nada mais é do que a Sua boca na terra, uma espécie de caixa acústica
por meio de quem os oráculos divinos reverberam. A ideia é que Deus colocava as
Suas palavras na boca de instrumentos humanos, o que trazia sobre essas pessoas
um enorme peso de responsabilidade. Infelizmente, para muito, essa ordem se
reverteu: no lugar de Deus colocar Suas palavras na boca dos homens, eles é
quem passaram a colocar suas palavras na boca de Deus! Eu entendo que
precisamos de mais coragem para dizer: “digo eu, não o Senhor” do que para
dizer: “assim diz o Senhor”, pois tememos que nossas palavras não sejam aceitas
por não soar como mandamento. Precisamos ser mais honestos, mais leais com as
pessoas. Não podemos entrar no jogo de poder e de manipulação para conseguir o
que queremos. Jesus fala do juízo que enfrentamos por cada palavra frívola que
proferimos (Mateus 12.36. Leia também 2Timóteo 1.6). Não precisamos mudar o tom
ou entonação de voz e muito menos usar uma linguagem arcaica para dar às nossas
declarações um aspecto divino. Não podemos transformar nossas experiências
pessoais e nossas preferências com usos e costumes em mandamento. Devemos
ensinar as pessoas a serem criteriosas com o que ouvem. Essa lição os nossos
irmãos de Beréia nos ensinam muito bem (Atos 17.11. Leia também Efésios 4.14)!
“Falo como a criteriosos; julgai vós mesmos o que digo” (1 Coríntios 10:15).
Sejamos prudentes e suficientemente maduros para beber a água e discernir o
sabor do barro com o qual é feito o vaso que a deposita – ou para ser mais
bíblico, ouçamos as profecias e julguemos sua procedência: “Tratando-se de
profetas, falem apenas dois ou três, e os outros julguem” (1 Coríntios 14:29);
“julgai todas as coisas, retende o que é bom” (1 Ts 5:21). Mas que sejamos
corajosos para admitir se o que sai da nossa boca é uma palavra nossa e não do
Senhor. Isso não significa que um “digo eu, não o Senhor” não deva ser
observada. Creio que Deus nos dá sabedoria para administrarmos questões locais
ao darmos direções específicas, pontuais, de foro cultural e circunstancial.
Aqui entra em ação o critério do bom senso. Há coisas que a Bíblia não diz
claramente ser pecado, mas sua prática foge completamente do bom senso cristão.
Há atitudes que não cabem na vida de um servo ou serva de Deus (1Coríntios
6.12). O Livro de Provérbios trás o conceito de “entendimento” (Provérbios
1.2b; 2.2) significando “discernimento” ou “senso” (Provérbios 10.13). O sábio
tem a mente treinada para compreender o que cabe a um justo de Deus e ou o que
é proveniente de um ímpio. Um “digo eu, não o Senhor” pode ser mais proveitoso
na boca de um homem ou mulher ungidos
por Deus, do que um “assim diz o
Senhor” nos lábios de um falso profeta. Pra refletir.
Fonte: marcosarrais.com.br
Deixe um comentário
Nenhum comentário:
Postar um comentário